No texto “Das três metamorfoses”*, Nietzsche afirma que há três fases para o espírito: “como o espírito se torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança”.
O primeiro é o do camelo. Ele se ajoelha e diz: “Ponha carga nas minhas costas.” Essa é a condição da juventude e do aprendizado. É a fase da busca da verdade, das provações, da coragem.
Quando o camelo está bem carregado, ele se ergue sobre os próprios pés e corre para o deserto. Esse é o lugar para onde se dirige a fim de ficar sozinho para se encontrar, e ali é transformado num leão.
Leão é a fase da busca da liberdade. O espírito quer inimigos, quer quebrar as regras e as correntes que o acorrentam, quer enfrentar o que antes considerava seu deus. “Qual é o grande dragão ao qual o espírito não quer mais chamar senhor nem deus? ‘Tu deves’ chama-se o grande dragão. Mas o espírito do leão diz: ‘Eu quero’.
Em cada escama do dragão há a inscrição de uma lei, e algumas datam de 2000 a.C., enquanto outras procedem do noticiário de ontem.
Quando o camelo está bem carregado, o leão é potente e o dragão é morto. Veja, são duas coisas bem diferentes. Uma é submissão, obediência, aprendizado; a outra é forte e assertiva. E quando o dragão é morto, o leão se transforma numa criança.
Para o filósofo alemão, a criança é um espírito livre, ela representa a superação dos valores morais e a criação de novos valores, é a espontaneidade.“A criança é a inocência, e o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação”. (NIETZSCHE, 2004)*.
Há, dentro de nós, uma criança inocente, que é espontânea e tem a coragem de viver seus impulsos. É com ela que devemos nos reconectar; não a criança obediente, submissa.
Como podemos nós, enquanto indivíduos, entrar em contato com a criança que vive dentro de nós?
Matando o dragão que se chama “Tu deves”. Optando por não viver segundo as regras dos outros.
Respeitando-as mas não vivendo por elas.
A criança representa, nas palavras do próprio Nietzsche, “uma roda que gira a partir de seu próprio centro”.
O ciclo criado por Nietzsche fala sobre a aderência às regras (e excelência em cumpri-las), seguida de questionamento da essência das regras (com uma ruptura violenta) e, finalmente, a criação de novas regras, representado pela figura da criança. Nos ensina, portanto, a importância de aprender a dizer não no caminho para a maturidade.
Em que fase desse ciclo será que você se encontra?
*NIETZSCHE, F. Assim Falou Zarathustra. Editora Martin Claret: São Paulo, 2004.